PROVOCAÇÕES EM UM CENÁRIO TEMERÁRIO
Querida Priscila.
Sou monja, uma
religiosa, sou psicóloga, sou mãe, sou cidadã em um determinado tempo e num determinado lugar.
Não há nenhuma regra no budismo que nos proíba de sermos um
agente político. Temos monges e monjas, professores e professoras do
darma(sensei)l lideranças de centros e templos maiores ou menores, que tem
diferentes posições políticas. Uns tem uma tendência mais à esquerda,
identificados com governos mais progressistas que tem no Estado o principal
articulador e regulador da economia. Geralmente são projetos de governança
voltados para o bem estar social através das políticas públicas. Se preocupam
com o povo, principalmente com os mais vulneráveis. Destes, uns manifestam-se , outros não. Vale o mesmo para
àqueles que defendem posições da direita, com estado mínimo e interferência mínima também do estado na economia.
Os religiosos budistas defendem o estado laico e eu não vi
até agora nenhum budista candidato político a nada. Diferente da bancada da
bíblia com seu projeto de poder. Falando nisto, será que os pastores também
recebem este tipo de pergunta? Também
são religiosos. Mas os budistas tem posições bem definidas sim. Lembra daquelas
cenas de monges budistas se imolando, colocando fogo em si mesmos? Eram
protestos políticos contra governos autoritários.
É frequente que as monjas sejam questionadas quando se
manifestam publicamente em suas posições. Me ocorre outra pergunta: será que se
tolera mais que homens monges expressem suas preferências políticas do que as
mulheres?
Que fantasias os brasileiros fazem das monjas? Que ficam
jejuando e meditando, quase levitando? Ou se espera delas que fiquem envolta
com livros e escrituras sagradas ou trabalhando, cozinhando, servindo aos
pobres? Nada de errado com estes afazeres, mas até onde eu conheço, as monjas
budistas mulheres são muito inteligentes , tem profissões interessantes e
geralmente já não se adaptam muito bem a rotina culturalmente imposta ou estimulada,
de gênero inclusive. Buscam ir além...mas isto não quer dizer que elas não
tenham que pagar suas contas e ter responsabilidades civis, como qualquer
cidadão.
Amigas e amigos, já vivi dois golpes de estado. O primeiro
eu era muito pequena e não entendia o que passava. 50 anos depois outro golpe.
Inicio e termino esta vida num contexto de golpe de estado, com uma democracia
precária, um estado de exceção , uma presidente deposta sem crime de
responsabilidade, um ex presidente , o maior e melhor da história do Brasil,
também sem crime, sendo levado preso – um julgamento teatral , onde a
constituição é mais uma vez rasgada. Que esperar de um país que de tempos em
tempos sofre um golpe de estado pela classe dominante, que governa somente para
si e aos seus?
No mínimo é que cada um que sinta-se mortalmente açoitado
em sua inteligência, em sua humanidade,
que seja sensível aos lamentos e privações que as camadas mais vulneráveis da
sociedade padecem, que se manifestem.
Depois dessa resposta fiquei calada por uns dias. Um
silêncio reflexivo à respeito dos destinos que darei para meu impasse: Que
postura adotarei frente o cenário de precarização que se instalou no país a
partir de 2013, 2014, que culminou com o
impeachment da presidenta Dilma em 2016?
Amigos e pares Budistas
Até agora evitei participar das
discussões pois não tenho tido muito o que falar, ou talvez o contrário, por
ser tanta coisa para ser compreendida e elaborada, a palavra, escrita ou
falada, deve ser pautada pela reflexão.
Minha entrada para o Budismo
deu-se num momento em minha vida em que já havia feito muitas construções e
estava precisando cuidar do espírito. Isto foi em 2000. Fui apresentada ao Zen por uma amiga de então
e, dentre as propostas espirituais para
serem “consumidas”, o Budismo era algo tão diferente, exótico, curioso,
diferenciado, culto...hoje percebo que o Budismo serve também às classes
sociais alta e média. Mas o que me vinculou ao zen foram justamente os vínculos
– primeiro à monja alemã, Algelika Zuiten – passei a desejar que ela se
sentisse bem aqui no Brasil, algo como uma oportunidade para mim de resgatar
minha ancestralidade alemã.
Outros vínculos foram se
construindo e servindo de estímulo para prosseguir nesse ir e vir de 10 anos
entre uma cidade e outra para sentar em zazen com a comunidade, na época o
Viazen.
Meu entendimento do Zen foi
acontecendo nessa convivência, estudando, escutando, fazendo retiros e
sistemáticos treinamentos , cozinhando, ensinando e aprendendo as refeições nos
oriokis, aprendendo a tocar os instrumentos, oficiar cerimônias, dando aula de
introdução ao Zen para iniciantes, costurando rakusus e mantos...sendo que é
assim que me sinto até hoje, uma iniciante, uma praticando do/no caminho .
A partir de minha ordenação monástica
em 02/05/2009 passei a ser formalmente discípula de Monja Coen Roshi, sendo
hoje uma de suas transmitidas. Gratidão por tal fortuna!
À minha prática somou-se novas
possiblidades de significado a partir das transformações políticas que eu
percebia no país já em 2005 com as manobras das denúncias do mensalão. Em 2013 eu já
falava em golpe. Compreender o cenário político para mim era compreender a
realidade dos movimentos nessa rede,
nessa trama , que é o tecido social. É
uma forma de ler e entender o mundo. Na minha opinião não tem como se isolar e
ficar impermeável aos impactos das
decisões políticas responsáveis pelos programas e responsabilidades do Estado no bem estar da
população. Apesar do meu distanciamento do catolicismo, sou atravessada por
algumas influências. Talvez pela proximidade que tenho com a ordem dos
Jesuítas, aos quais tenho muito apresso pelo seu rigor científico, pela sua
participação na Teologia da Libertação, fui construindo uma lógica que traz
sentido e coerência para mim. Participo
de dois grupos inter-religiosos , um na Unisinos e outro com os Luteranos –
foi-se criando um consenso sobre a necessidade de politizar a religião, de ter
este olhar, já que direitos humanos e justiça social são conquistas que
requerem engajamentos políticos. Sabe-se que o Brasil em particular tem sofrido
ataques sistemáticos da direita que não aceitou a derrota das urnas e partiu
para o tapetão. Isto trouxe consequências gravíssimas que repercute em todos
tecido social – aumento do desemprego, a volta do Brasil ao mapa da fome,
impedimento de investimento em saúde, educação, cultura, ciência, por 20 anos,
aumento abusivo do desmatamento, genocídio dos índios, gentrificação de espaços
públicos...não que não houvessem problemas antes mas sabe-se do que a direita
tem sido capaz...incendiar e enterrar gente pobre viva, condenar ou matar
nossos jovens pobres e negros, prendê-los em masmorras que são a versão
atualizada dos navios negreiros...ou seja, nossa elite branca ainda não acordou
para um mundo mais igualitário, amoroso e justo pois ainda está sob forte
influência colonizadora e escravagista. Ainda é a lógica da casa grande e
senzala, a classe média no meio, sendo o capataz que defende os interesses do
patrão, do coronel, do empresário rico, dos sindicatos patronais e toda sorte
de opressão.
Quanto às críticas, desaforos,
deboches, escárnios, agressões aos que estão engajados em denunciar e defender
ao que resta de nossa democracia, penso que só temos que agradecer pois são
provocações que não nos deixam esquecer, que nós devemos responder, mas não no
mesmo nível, já que nossa inteligência nos permite argumentar no mundo das
ideias. E é esta justamente a esperança da direita, que nos calemos, que nos
conformemos e que nos esquecemos dessa história recente que devolve o país ao
lugar de colônia e que uma das maiores lideranças políticas que emergiram nesse
país, reconhecido mundialmente, encontra-se preso para que não se eleja mais
presidente, o que é o desejo do povo. É um preso político sim. Vejam a que
ponto o alinhamento da justiça, do parlamento , da mídia e das elites rentistas
é capaz de chegar – enterra-se vivo àquele que pelo desejo da maioria deveria
ser seu representante.
LULA LIVRE!
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