segunda-feira, 7 de maio de 2018

PROVOCAÇÕES EM UM CENÁRIO TEMERÁRIO

Querida Priscila.

Sou  monja, uma religiosa, sou psicóloga, sou mãe, sou cidadã em  um determinado tempo e num determinado lugar.
Não há nenhuma regra no budismo que nos proíba de sermos um agente político. Temos monges e monjas, professores e professoras do darma(sensei)l lideranças de centros e templos maiores ou menores, que tem diferentes posições políticas. Uns tem uma tendência mais à esquerda, identificados com governos mais progressistas que tem no Estado o principal articulador e regulador da economia. Geralmente são projetos de governança voltados para o bem estar social através das políticas públicas. Se preocupam com o povo, principalmente com os mais vulneráveis. Destes, uns  manifestam-se , outros não. Vale o mesmo para àqueles que defendem posições da direita, com estado mínimo  e interferência  mínima também do estado na economia.
Os religiosos budistas defendem o estado laico e eu não vi até agora nenhum budista candidato político a nada. Diferente da bancada da bíblia com seu projeto de poder. Falando nisto, será que os pastores também recebem este tipo de pergunta?  Também são religiosos. Mas os budistas tem posições bem definidas sim. Lembra daquelas cenas de monges budistas se imolando, colocando fogo em si mesmos? Eram protestos políticos contra governos autoritários.
É frequente que as monjas sejam questionadas quando se manifestam publicamente em suas posições. Me ocorre outra pergunta: será que se tolera mais que homens monges expressem suas preferências políticas do que as mulheres?
Que fantasias os brasileiros fazem das monjas? Que ficam jejuando e meditando, quase levitando? Ou se espera delas que fiquem envolta com livros e escrituras sagradas ou trabalhando, cozinhando, servindo aos pobres? Nada de errado com estes afazeres, mas até onde eu conheço, as monjas budistas mulheres são muito inteligentes , tem profissões interessantes e geralmente já não se adaptam muito bem a rotina culturalmente imposta ou estimulada, de gênero inclusive. Buscam ir além...mas isto não quer dizer que elas não tenham que pagar suas contas e ter responsabilidades civis, como qualquer cidadão.
Amigas e amigos, já vivi dois golpes de estado. O primeiro eu era muito pequena e não entendia o que passava. 50 anos depois outro golpe. Inicio e termino esta vida num contexto de golpe de estado, com uma democracia precária, um estado de exceção , uma presidente deposta sem crime de responsabilidade, um ex presidente , o maior e melhor da história do Brasil, também sem crime, sendo levado preso – um julgamento teatral , onde a constituição é mais uma vez rasgada. Que esperar de um país que de tempos em tempos sofre um golpe de estado pela classe dominante, que governa somente para si e aos seus?
No mínimo é que cada um que sinta-se mortalmente açoitado em  sua inteligência, em sua humanidade, que seja sensível aos lamentos e privações que as camadas mais vulneráveis da sociedade padecem, que se manifestem.  

Depois dessa resposta fiquei calada por uns dias. Um silêncio reflexivo à respeito dos destinos que darei para meu impasse: Que postura adotarei frente o cenário de precarização que se instalou no país a partir de 2013, 2014, que culminou com  o impeachment da presidenta Dilma em 2016?

Amigos e pares Budistas

Até agora evitei participar das discussões pois não tenho tido muito o que falar, ou talvez o contrário, por ser tanta coisa para ser compreendida e elaborada, a palavra, escrita ou falada, deve ser pautada pela reflexão.
Minha entrada para o Budismo deu-se num momento em minha vida em que já havia feito muitas construções e estava precisando cuidar do espírito. Isto foi em 2000.  Fui apresentada ao Zen por uma amiga de então e,  dentre as propostas espirituais para serem “consumidas”, o Budismo era algo tão diferente, exótico, curioso, diferenciado, culto...hoje percebo que o Budismo serve também às classes sociais alta e média. Mas o que me vinculou ao zen foram justamente os vínculos – primeiro à monja alemã, Algelika Zuiten – passei a desejar que ela se sentisse bem aqui no Brasil, algo como uma oportunidade para mim de resgatar minha ancestralidade alemã.
Outros vínculos foram se construindo e servindo de estímulo para prosseguir nesse ir e vir de 10 anos entre uma cidade e outra para sentar em zazen com a comunidade, na época o Viazen.
Meu entendimento do Zen foi acontecendo nessa convivência, estudando, escutando, fazendo retiros e sistemáticos treinamentos , cozinhando, ensinando e aprendendo as refeições nos oriokis, aprendendo a tocar os instrumentos, oficiar cerimônias, dando aula de introdução ao Zen para iniciantes, costurando rakusus e mantos...sendo que é assim que me sinto até hoje, uma iniciante, uma praticando do/no caminho .
A partir de minha ordenação monástica em 02/05/2009 passei a ser formalmente discípula de Monja Coen Roshi, sendo hoje uma de suas transmitidas. Gratidão por tal fortuna!
À minha prática somou-se novas possiblidades de significado a partir das transformações políticas que eu percebia no país já em 2005 com as manobras  das denúncias do mensalão. Em 2013 eu já falava em golpe. Compreender o cenário político para mim era compreender a realidade dos movimentos  nessa rede, nessa trama ,  que é o tecido social. É uma forma de ler e entender o mundo. Na minha opinião não tem como se isolar e ficar impermeável  aos impactos das decisões políticas responsáveis pelos programas e  responsabilidades do Estado no bem estar da população. Apesar do meu distanciamento do catolicismo, sou atravessada por algumas influências. Talvez pela proximidade que tenho com a ordem dos Jesuítas, aos quais tenho muito apresso pelo seu rigor científico, pela sua participação na Teologia da Libertação, fui construindo uma lógica que traz sentido e coerência para mim.  Participo de dois grupos inter-religiosos , um na Unisinos e outro com os Luteranos – foi-se criando um consenso sobre a necessidade de politizar a religião, de ter este olhar, já que direitos humanos e justiça social são conquistas que requerem engajamentos políticos. Sabe-se que o Brasil em particular tem sofrido ataques sistemáticos da direita que não aceitou a derrota das urnas e partiu para o tapetão. Isto trouxe consequências gravíssimas que repercute em todos tecido social – aumento do desemprego, a volta do Brasil ao mapa da fome, impedimento de investimento em saúde, educação, cultura, ciência, por 20 anos, aumento abusivo do desmatamento, genocídio dos índios, gentrificação de espaços públicos...não que não houvessem problemas antes mas sabe-se do que a direita tem sido capaz...incendiar e enterrar gente pobre viva, condenar ou matar nossos jovens pobres e negros, prendê-los em masmorras que são a versão atualizada dos navios negreiros...ou seja, nossa elite branca ainda não acordou para um mundo mais igualitário, amoroso e justo pois ainda está sob forte influência colonizadora e escravagista. Ainda é a lógica da casa grande e senzala, a classe média no meio, sendo o capataz que defende os interesses do patrão, do coronel, do empresário rico, dos sindicatos patronais e toda sorte de opressão.
Quanto às críticas, desaforos, deboches, escárnios, agressões aos que estão engajados em denunciar e defender ao que resta de nossa democracia, penso que só temos que agradecer pois são provocações que não nos deixam esquecer, que nós devemos responder, mas não no mesmo nível, já que nossa inteligência nos permite argumentar no mundo das ideias. E é esta justamente a esperança da direita, que nos calemos, que nos conformemos e que nos esquecemos dessa história recente que devolve o país ao lugar de colônia e que uma das maiores lideranças políticas que emergiram nesse país, reconhecido mundialmente, encontra-se preso para que não se eleja mais presidente, o que é o desejo do povo. É um preso político sim. Vejam a que ponto o alinhamento da justiça, do parlamento , da mídia e das elites rentistas é capaz de chegar – enterra-se vivo àquele que pelo desejo da maioria deveria ser seu representante.
LULA LIVRE!

1.