Como os dois lados de um guidão de bicicleta: Se uma das mãos
pesar mais que a outra, caímos. E a queda nos ensina a estabelecer uma maior
harmonia entre as duas mãos. Ainda assim é provável que cairemos algumas vezes
até o ajuste fino ser alcançado. Cada queda fará parte do aprendizado. Um dia,
de repente, percebemos que estamos andando de bicicleta; nos equilibrando e
sentindo a satisfação do passeio. A julgar pelo que noto naquelxs que já “andam
de bicicleta” com maestria, após concluído o aprendizado básico, sequer lembramos da
mão esquerda e da mão direita; só existe “andar de bicicleta” - o que não é
sinônimo de estar imune a novas quedas como parte de um aprendizado ainda mais
aprimorado. Tenho a impressão de que é assim com o binômio percepção/expressão.
O que nossos "ouvidos e olhos" estão nos propiciando em
possibilidades e profundidade de percepção da realidade? O que nossas
"mãos e boca" estão dizendo para o outro? Essa máquina de ver e ouvir
se interpõe entre nossa percepção E a realidade. É útil e também é ilusória; de
forma que, em última análise, o que vemos e ouvimos é nós mesmos. Da mesma
forma, o que expressamos - durante - é expressado por nós. Já o que "o
outro" percebe, é elx mesmx.
Quando sento-me em Zazen a prática primária é de percepção.
Seguir a percepção da realidade incluindo suas camadas. Há dor? Percebo a dor.
Há pensamento? Percebo o pensamento. Há memória? Percebo a memória. E assim
prossegue por várias camadas. Não é que uma camada tenha sumido, ela está lá,
mas outra foi incluída e assim por diante. Durante, percepções equivocadas ou
mais ilusórias se dissipam em mais apurada percepção da realidade. E, como
efeito colateral, minha participação no mundo se torna mais consciente e
inclusiva. Quando sento-me em outras técnicas de meditação a prática primária é
de criação. Seguir coadunando níveis de percepção com exercícios de vontade
criacional. Emoções, memória e criação mental têm função ferramental. E minha
participação no mundo também se torna mais consciente e inclusiva.
É a realidade e não a idealização a matéria prima do que há, do
que é; e surge o que faço. Há um eu - e seu nível de efetividade e realidade é
apenas parte do processo - que se vale da utilidade de existir como agente. Eu
só será útil enquanto for capaz de exercitar algum nível de existência. Após
suprimido, a natureza pode se aprimorar, mas a ação perde em execução – neste
mundo da ação. Parece um jogo muito fino e delicado.
Talvez o centro da condução equilibrada dessa bicicleta seja
"ouvidos e olhos" preparados para perceberem a realidade da forma
mais clara e "mãos e boca" preparados para expressarem da melhor
forma ao outro aquilo que seja mais benéfico para o outro perceber como
espelho.
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