ESCUTA, ZÉ NINGUÉM
FALA AO PEQUENO HOMEM
Preocupada e, agora sim, com medo,
procuro compreender o resultado das eleições de 2014. Como explicar que, no Rio
Grande do Sul, o candidato a deputado estadual, Luiz Carlos Heinze(PP) tenha
sido o mais votado? Ele, que foi autor da fala de que índios, quilombolas e
homossexuais são tudo “aquilo que não presta”.
Como
explicar que Lasier Martins, aquele que defende o argumento de que se
resolveria o problema da fome no mundo se os obesos comessem menos, sobrando,
então, comida para os famintos?
Como
entender que Suplicy e Olívio Dutra não tenha sido eleitos, já que a maioria do
povo, num processo democrático, escolheu Serra e Lasier para o Senado?
Suplicy e
Olívio – grandes homens, amorosos, nobres e comprovadamente honestos? Com quem queremos contar para nos
representar? Para quem entregamos nossas vidas? E o futuro das próximas
gerações?
Como
explicar a reeleição de Alckmim, apesar dos sérios problemas de gestão, do
racionamento de água, das denúncias de corrupção. Como explicar as reeleições
de Celso Russomano, Marco Feliciano, Jair Bolsonaro? Como explicar a ampliação
da “bancada da bala”, lobby da indústria armamentista?
Como
explicar que elegemos a bancada mais conservadora desde 1964?
Como
explicar o ódio ao PT? Como explicar que, por ódio ao PT, corre-se o risco de
entregar o Brasil ao PSDB, que, além de ser o campeão nacional de barrados pela
Lei da Ficha-limpa, abriga os Senhores das Privatizações. O PSDB é o partido da
Privataria Tucana. É do PSDB o candidato à presidência, um playboy, usuário de
cocaína. Essa acusação, mesmo que seja só uma suspeita, já é motivo suficiente
para não preencher os critérios desejados para “a vaga de presidente”. Isto sem
falar da construção de um aeroporto em terras da família com dinheiro público,
etc... Me parece que mais que vencer as eleições, a meta é vencer o PT. O
inimigo que deve ser aniquilado é o PT. FORA PT.
Como
entender o ódio pelo PT?
Esse
fenômeno exige um debruçar-se cuidadoso e sério para ser compreendido.
Percebe-se algo desproporcional, haja vista que a governança do país sob a
liderança desse partido e de seus aliados tem acertado mais do que errado. Só o fato de 40 milhões de pessoas terem saído
da pobreza extrema deveria ser o suficiente para a reeleição, para uma celebração.
Esperava-se uma campanha respeitosa, no mínimo. Mas não é isso que vejo. O que
vejo é uma campanha movida pelo ódio, por uma elite raivosa, que se ocupa mais
em acusar e atacar do que em defender um projeto de governo.
Recorri ao
um livro, muito antigo, escrito por um médico psiquiatra e psicanalista,
discípulo de Freud por um tempo, por volta de 1920. Seu nome é Wilhelm Reich,
nascido em março de 1897, na Galícia, na época Áustria. O nome do livro em alemão é “Rede an den
kleinen Mann” – “Fala ao Pequeno Homem” – e foi
traduzido para o português como Escuta Zé Ninguém. Ele escreveu esse livro na
prisão um pouco antes de morrer, em 1957. Recebeu asilo político nos EUA em
1939, em função de ser perseguido pelos nazistas. Pelo fato de ter sido filiado
ao Partido Comunista, de ser Marxista, de ter denunciado o fascismo ascendente
na Europa, de ter escrito “ Psicologia de massas do fascismo”, começou a ser
investigado e perseguido pelo FBI.
Depois
vieram os movimentos contestatórios da década de sessenta, a guerra fria, a guerra do Vietnã, e, em meio a
isso tudo, um jargão inspirado em Reich se espraia mundo afora: “Faça amor, não
faça a guerra.” O desgosto de Reich foi o de, depois de dedicar a vida toda a pesquisar e a tratar os traços de caráter neuróticos, psicóticos e
perversos das pessoas, ter acabado sendo vítima desse tipo de funcionamento,
pois foi discriminado, ridicularizado, desmoralizado. Ele e toda sua obra foram
banidos das academias, mas suas importantes contribuições à psicologia e às
ciências humanas são lidas e compreendidas até os dias de hoje.
Sua obra é
dirigida a todos aqueles que acreditam na construção de uma sociedade menos
repressora e excludente, mais equilibrada e justa, pautada por uma ética da
natureza humana. Dizia ele que amor, trabalho e sabedoria são as fontes de
nossa vida e deveriam também governá-la.
A expressão
Zé Ninguém representa todos os traços neuróticos, psicóticos e perversos que atravessam
o funcionamento do Homem na/em sociedade. Faz do humano não um Pequeno Príncipe,
mas um Pequeno Homem. Esse homem
neurotizado, psicotizado, sociopata, doente, é o sujeito Zé Ninguém. Esse
sujeito sabe muito pouco de si, é raso, pois tem muito medo de tudo que não
esteja de acordo com seus conceitos e valores. Facilmente deixa-se influenciar
pela TV, jornais e revistas, bestseller – os meios de comunicação em massa. Tem
uma auto-imagem tão distorcida de si que se considera separado do todo e
especial. Foge do lugar comum como o diabo da cruz, mal sabendo ele que a
libertação está justamente no lugar comum. Esse funcionamento padrão é
reforçado e estimulado por todas as instâncias que detêm algum poder normativo
dentro da hierarquia social. O pequeno homem sofre por sua alienação e
ignorância. Tem medo de reconhecer-se nessa condição, assim não se envolve
responsavelmente no protagonismo de seu momento histórico, consciente das
consequências de seu modo de pensar agir. É de Reich a citação: “Sabes melhor lutar pela
tua liberdade que preservá-la para ti e para os outros”. O pequeno homem espera
que um messias venha e lhe diga o que fazer com a promessa de que seus
problemas serão resolvidos. Projeta suas frustrações e suas incompetências no
Outro – o culpado é a Dilma, o PT – não foi isso que se ouviu na mídia o tempo
todo nesses últimos anos? Com direito a camarote VIP financiado por banqueiros,
gritou em sonoro coro “Dilma, vai tomar no cu” – para o mundo inteiro assistir.
Reich usava uma expressão para esses fenômenos: a peste emocional. Não é só o ebola
que contamina, a peste emocional também se alastra e, às vezes, são poucos os
que ficam imunes a ela.
Foi esta
peste emocional que matou Jesus Cristo, que matou os judeus, os palestinos,
Tiradentes, Gandhi, John Lennon, Marthin Luther King, Getúlio Vargas, Chico
Mendes, Irmã Dorothy e tantos outros desatinos que se tem conhecimento. Sartre
dizia – o inferno é o Outro. Na verdade, não é o outro, somos todos nós, que,
com nossa pequenez, criamos causas e condições que culminam nessas tragédias. Essa
mesma peste emocional tenta agora aniquilar, matar o PT, que, apesar de tudo, tem
mostrado mais acertos do que erros para governar essa nação tão grande e
complexa. Os meios de comunicação alinhados com a classe dominante orquestram, com astúcia, os elementos
necessários para difundir os vírus da peste emocional, quando sistematicamente
desmoralizam a política em geral,
desmoralizam e depreciam o PT. Eles incentivam medo usando de terrorismo
midiático ao associarem a cor vermelha com o exército chinês. Eles caluniam,
manipulam, usam até o bigode de Hitler para comparar com os dentes da
presidenta, quebrados nos cárceres da ditadura. Pequenos homens, pequenas
mulheres – a nossa imprensa é pequena, nosso jornalismo é
pequeno.
Reich dizia
que o Homem Pequeno exige que a vida lhe conceda felicidade, mas a segurança é
mais importante, ainda que custe a dignidade ou a vida. “Ergueste tu próprio os
teus tiranos, e és tu quem os alimenta, apesar de terem arrancado as máscaras,
ou talvez, por isto mesmo”.
A elite
burguesa desse país está furiosa e raivosa. Detém o poder econômico, mas isso
somente não basta. Não é dinheiro que buscam, pois quem era rico ficou mais
rico, seus privilégios foram preservados. Desejam poder para manter a servidão
e as diferenças. Suas intenções, más intenções, são claras e suas motivações também. Por medo
e por insegurança querem manter as oligarquias. Parecem grandes, mas são
pequenos.
Entender
como a massa funciona é mais complexo. Como dizer sem ofender, que o povo
brasileiro, nessas eleições foi muito pequeno?