segunda-feira, 3 de agosto de 2015

SE ESSA, SE ESSA RUA FOSSE MINHA...
Parte II

            Tenho resignificado meus valores a respeito de progresso e prosperidade alinhado com a economia, PIB, esses conceitos. Decidi abrir mão do meu carro, talvez por um tempo, talvez pra sempre, não sei. Mas está sendo uma experiência muito interessante ver e viver a cidade a partir de uma perspectiva mais horizontal, a pé, ou da janela de um ônibus. É uma delícia caminhar a tardinha no verão,  ou no sol no outono e inverno. Cruzar com as pessoas, cada uma com seu ritmo e destino.
            Mas nem sempre é agradável caminhar em São Leopoldo, cidade onde moro. Como a maioria das  cidades no Brasil, a minha tem sido pouco pensada e planejada para pedestres, ciclistas...os novos tempos pedem novos projetos. As calçadas são ruins e perigosas, principalmente quando já não se é jovem, as ruas e jardins estão sujas e mal cuidadas e, atravessar algumas ruas e avenidas é um desafio. Sobram pardais e faltam sinaleiras para pedestre.
            Fiz questão de iniciar essa crônica(parte II) com a mesma introdução, mas somente para inserir o tema principal, que deve ser nosso objeto de reflexão.
            Da perspectiva Budista,  somos a vida na terra –  esse “somos” incluiu todas as formas de vida, inclusive a própria terra e todos os seres, animais, humanos, minerais e vegetais, pra não dizer todo o universo e multiverso. Tudo é vida em manifestação – então, quando cortamos uma árvore na raiz, estamos violando a vida, na raiz. Caminhar pelas calçadas de  São Leopoldo me fez perceber o quanto se corta de árvores na cidade, pois não há nem o pudor de disfarçar.
            O fato mais recente, que disparou essa crônica,  foi quando vinha para meu trabalho e na esquina da Lindolfo Collor com a São João, a moradora do prédio, varrendo a calçada ,  muito feliz , dizia em alto e bom tom “ finalmente, só pedi pra podar e a prefeitura veio e cortou a árvore toda.”
           
            Como assim? Está tão fácil assim cortar árvores em São Leopoldo?
            Foi assim com a figueira na rótula do Rio Branco?
             O que é uma figueira perto de uma agência do Itaú, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Bradesco? Nada. Mas é vida. Até onde eu sei, a figueira é uma das quatro  árvores sob a  proteção dos órgãos ambientais.
            Foi assim com a  enorme árvore que tinha em frente ao Colégio Gusmão?
            E com tantas outras que ficaram fora do alcance do olhar da minha câmera, pois o caminho que percorro entre minha casa e o trabalho é somente uma amostra.
            Dizem que cada árvore que é cortada deve ser substituída por não sei quantas outras...gostaria de saber onde fica esta floresta!
            O comércio é o inimigo número 1 : Abriu um comércio, o proprietário trata de garantir que a fachada fique visível, como se isso fosse garantia de sucesso. A primeira atitude é arrancar/cortar alguma árvore que possa estar no caminho...do sucesso? Mas quando é verão as pouquíssimas árvores são disputadas para estacionar os carros.
O que resta das árvores são suas raízes expostas, expondo também a nossa ignorância. Será que com a quantidade de informação e tecnologia que temos hoje ainda precisamos travar uma batalha com a natureza,  a vendo como inimiga que tem que ser dominada? Este pensamente era aceitável no tempo das cavernas mas não hoje. Não o foi nem na época da revolução industrial. Não seria mais elegante e responsável  fazer com àquela bela figueira fizesse parte do cenário do novo prédio? Quem sabe um grande terraço tendo-a como cobertura. Incluí-la no projeto ao invés de excluí-la impiedosamente. Os imóveis que mais valorizaram em POA são justamente àqueles que tem árvores nas ruas, inclusive a rua eleita a mais bonita do mundo.
Quando foi que perdemos nossa capacidade de nos surpreender  , de nos escandalizar , de nos chocar, de nos apiedar ? Essa semana aconteceram fatos que revelaram o quanto ainda temos que evoluir em nossa humanização. Nascer humano não garante humanidade. A morte do leão Cecil, o trem em Madureira que passou por cima do homem que havia sido atropelado...que vergonha! Que vergonha! Pra não falar da Amazônia. Conseguimos terminar com a pororoca! Mas essas são capa de manchete. É mais fácil apontar o que está longe. Mas a mentalidade, à serviço do capital e não da vida é a mesma para ambas as situações. O que dizer sobre as fotos? Não parecem cadáveres que necessitam ser sepultados, com respeito? Quantas vezes deixamos de ver o que está tão perto de nós? Como se diz, na ponta do nariz, ou pior, tropeçamos e não vemos. Tão perto que não enxergamos. Acordar para esta realidade significa  resgatar nossa própria natureza, pois não há vida mais ou menos importante. Enquanto não houver  compreensão que nada é separado, que há uma teia em que intersomos, não deixaremos somente raízes expostas mas também nossa incapacidade em viver em harmonia na casa que é de todos. E o que parece força é somente fragilidade.

            


 Neste lugar havia uma linda figueira.


















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