Caso Principal:
Imperador Wu de Liang
perguntou a Bodidarma:
Qual é o princípio
dos ensinamentos sagrados?
Bodidarma disse,
“Vazio, nada sagrado.”
“Quem está de pé a
minha frente?”
“Não saber.”
O imperador não
apreendeu seu significado.
Assim sendo Bodidarma
cruzou o rio e foi para a terra de Wei.
O imperador mais
tarde falou sobre isso com Shikô, que disse:
“O senhor sabe de
fato quem é essa pessoa?”
O imperador disse: “
Não saber.”
Shikô falou:
“Este é o Bodisatva
Kannon, que guarda o selo da mente Buda.”
O imperador sentiu
profundo arrependimento e queria enviar alguém para Bodidarma, mas Shikô disse:
“Não adianta enviar
um mensageiro para o trazer de volta. Mesmo que todas as pessoas fossem, ele
não voltaria.”
TEISHÔ
Apesar de insegura e insuficiente
em prática e sabedoria, fui nomeada Monja líder e devo honrar esta obrigação, o qual recebo como uma oportunidade para avaliar o meu grau de compressão do
Darma de Buda. Como caso principal, tenho o compromisso de estudar a vida e
ensinamentos do Grande Mestre Bodhidarma, 28º ancestral do Darma.
Seu
nome originalmente era Bodaitara, terceiro filho de um rei(Rajah) , no sul da
Índia. Nasceu em torno de 440( algumas fontes citam final de século V) Seu pai
admirava muito o 27º professor do Darma, Prajnara ou Hannyatara, e era devoto do Budismo. Certa vez, Hannyatara
foi convidado para ir ao palácio e quando lá, recebeu uma linda jóia, e a usou
para testar os três filhos do rei, perguntando: “O que vocês acham dessa jóia?” O primeiro príncipe respondeu – “Essa é a
coisa mais inestimável do mundo.” O segundo disse: “É mesmo. Ela é tão
magnífica que nem mesmo uma grande pessoa pode possuí-la.” Então era a vez de
Bodaitara, que tinha apenas 08 anos. E você, o que acha? O menino permaneceu em
silêncio. Hannyatara chegou a comentar
que talvez ele fosse muito pequeno para responder, no que o menino disse: “Essa
é uma jóia mundana e por isto não pode ser classificada como a melhor. Eu
considero o Darma como o melhor tesouro.” Hannyatara ficou impressionado com a
compreensão do menino, pois o que ele
queria dizer era que o brilho da jóia era mundano comparado com o brilho da
sabedoria. O menino continuou: “ Eu considero a luz da sabedoria como a melhor
luz. A luz brilhante desta jóia não pode iluminar a si mesma, mas precisa da
luz da sabedoria para ser percebida.”
Hannyatara compreendeu que estava diante de um sábio e que este viria a
ser o seu sucessor no Darma, mas que causas e condições ainda não eram
propícias para que o menino o acompanhasse. naquele momento. Apesar disso, foi
nesse encontro que aconteceu o diálogo de mente a mente – Ishin den shin –
Mestre Hannyatara pergunta: O
que, dentre todas as coisas é sem forma?
Bodaitara: Não surgir é sem
forma.
Mestre: O que dentre todas as
coisas é a mais exaltada?
Bodaitara: O sentido de eu e
outros é o mais exaltado.
Mestre: O que dentre todas as
coisas é suprema?
Bodaitara: A verdadeira natureza
de todas as coisas é suprema.
Foi neste diálogo que aconteceu a
transmissão de mente a mente, entre mestre e discípulo – ishin den shin, mas
Hannyatara sabia que a hora ainda não havia chegado.
Algumas vivências importantes
foram similares quando ainda muito jovens,
pelos que vieram a ser os mais importantes ancestrais do Darma. Tanto
Shakayamuni Buda, Bodidarma e Dogen provêem
de famílias nobres e ricas. Ainda com seu nome mundano, Sidarta, ao sair do castelo, foi impactado
pela dor e sofrimento existentes naquela época – a verdade sobre o sofrimento
da doença, velhice e morte. Para mim aí iniciou o grande despertar daquele veio
a ser o Buda Histórico. Ou melhor, acho
que até antes, em sua infância. Uma criança, quando chega na idade de dominar
relativamente bem a linguagem, lá pelos 7-8 anos, consegue expressar uma
sabedoria impressionante, pois ainda não está totalmente atravessada pela
cultura dominante e institucionalizada. Eu, como terapeuta infantil, já tive a
grande sorte de presenciar tais situações, que são muito emocionantes. Dogen,
com a morte dos pais, o pai aos 4 e a
mãe aos 8 anos, questiona a obtenção do nirvana somente após a morte e por quê
não aqui e agora, ainda em vida? Bodidarma também, quando morre seu pai ,
provavelmente ainda um adolescente, entra em samadhi(concentração profunda)
diante de seu caixão. Em comum, o sofrimento, esse choque de realidade que a
morte de pessoas amadas e necessárias impõe. E todos os grandes mestres se
dedicaram às questões relativas à vida/morte - sua compreensão e significado. Bodidarma,
no Sermão do Despertar diz “Cada sofrimento é uma semente de Buda, devido ao
sofrimento impelir os mortais a buscar sabedoria. Mas você só pode dizer que o
sofrimento gera buditude. Você não pode dizer que sofrimento é buditude. Seu
corpo e mente são o solo. O sofrimento é a semente. A sabedoria é o broto e a
buditude é o fruto.” Mestre Dogen disse que clarificar completamente o
significado de vida-morte é o assunto mais importante para todos que trilham o
caminho iluminado. Essa questão que nos convoca a aprofundar na compreensão é
complexa pois contempla as marcas indeléveis do Darma de Buda, a impermanência,
o não-Eu e o Nirvana- onde habita o Vazio, que tanto Bodhidarma apontava. O
vazio de uma existência fixa e permanente, o vazio do desejo de agarrar-se ,
apegar-se ou pegar algo, o vazio do Eu – que não há nada que tenha existência
própria, fixa, permanente e incondicionada. Ou seja, eu sou na medida que tu
és, tu sé na medida que nós somos, nós somos na medida que há um cosmos que nos
promove e acolhe – infinita mente.
Após o funeral do pai, Bodaitara foi encontrar Hanyatara e pediu para
deixar sua casa, se tornando monge. Hanayatara sabia que o tempo havia chegado
e fez com que Bodaitara recebesse os preceitos completos. Em seguida, Bodaitara
sentou-se em meditação por mais sete dias no quarto do venerável, recebendo
ensinamentos sobre o zazen. Hannyatara disse: “Você agora atingiu tudo aquilo
que existe para saber sobre todos os darmas. Darma siginifica “Amplitude de compreensão”, então
você deve passar a chamar-se “Darma”. Ficou então Bodhidarma, Bodaidaruma.
Permaneceu junto ao seu mestre
durante mais de quarenta anos. Realizou o Darma com muita profundidade na
Índia, e depois de 61 da morte de Hannayara,
Bodhidarma deveria levar o Budismo para a China, pois as condições
estavam propícias. Bodhidarma já estava com mais de 60 anos quando atravessou o
oceano , numa viagem que levou 3 anos para chegar à China. Chegando lá, seguiu
as profecias de Hannyatara, para não permanecer no sul, pois lá as pessoas
apenas valorizavam ações condicionadas para acumular méritos, e não conseguiam
compreender o verdadeiro princípio dos
ensinamentos do Buda. Mais tarde ficou sendo conhecido como “Escola do Norte”.
(A Espiritualidade Budista, Vol. II p. 8) Foi nessa época, quando a China era
dividida em Sulista e Nortistas, que o Budismo Indiano chegou à China. Os
nortistas tinham mente militarista, enfatizando meditação e mágica e os
sulistas, mais intelectualistas, preferindo as discussões filosóficas. Bodhidarma
além de trazer o Zen para China, introduz a meditação que leva a sabedoria e compaixão – a espada
que corta as ilusões dando e tirando vida – herdada de Hannyatara.
Confirma essa profecia o encontro
que ocorreu entre Bodidarma e o imperador Wu, que sabendo da chegando desse
importante professor, queria ter com ele .
De acordo com A Transmissão da
Lâmpada de Tao-Yuan, obra de 1002, Bodhidarma chegou a sul em 520 . Durante
esse encontro aconteceu o seguinte diálogo entre o imperador Wu e Bodhidarma:
- Que méritos tenho por ter construído mosteiros, traduzir escrituras budistas, auxiliar monges?
- Mèrito nenhum, diz Bodhidarma.
- Qual o mais alto significado
das verdades sagradas?
- Vazio – Nada Sagrado.
- Quem é este que esta de face
para mim?
- Não sei.
O imperador, que era destacado
por ter um entendimento escolástico do Budismo, identificado com a cultura
sulista, intelectualizada, provavelmente racionalizando mais os ensinamentos e
talvez se “perdendo” nas discussões filosóficas, era conhecido como o “Imperador da Mente Buda”. Ele não compreendeu a doutrina do vazio de
Bodhidarma , apresentada a ele pelo ilustre convidado. Talvez
Bodhidarma queria promover a reflexão de que se não se deve esperar
méritos como recompensa de uma boa ação, pois esta não é uma ação virtuosa de
verdade. Mesmo assim, o imperador faz outra pergunta, talvez seguindo uma
lógica secular; se não há méritos em construir mosteiros e ajudar os monges, o que é sagrado então? Novamente a resposta vem com a doutrina do
vazio: Vazio, nada sagrado!
Naquele momento Bodidharma
confimou que deveria seguir para o norte, como havia orientado Hannyatara.
Atravessa o rio Yangtse, que separava o reino do sul – Liang, do reino do norte
- Wei. Chega ao Mosteiro de Shaolin mas fica numa
caverna nas proximidades do templo, fazendo Zazen – de face para uma parede,
durante os nove próximos anos. As
pessoas estranhavam e passaram a conhecê-lo como o “Brâmane que olha para a
parede”, não demonstrando nenhum interesse em falar sobre o Darma ou desejar
ensinar discípulos, apesar da popularidade do Budismo do budismo na China.
Penso que esse “Silêncio” de nove
anos represente a quebra do paradigama entre o Budismo vivido até então na
índia, com sua antiga ideologia de libertação do ciclo de nascimento e morte e
a grande amplitude da cosmologia indiana, diferente da cultura positivista
da China. É nesse contexto que
Bodhidarma introduz o Zen , silenciosamente, na China, privilegiando a prática da
meditação. Talvez esta seja a maior
importância de Bodhidarma que leva para a China o “...ensinamento de que o nirvana nada mais é que samsara percebido em seu
vazio.” (A esp.Budista-Vol II, introdução.) Retoma os ensinamentos fundantes
do próprio Shakyamuni Buda , ensinamento
silencioso, quando o próprio estende uma flor e Makakasho compreende o ato
de Buda de girar a flor em seus dedos ...e quando entra a palavra, esta já não
está sob a influência do Bramanismo da Índia , mas apontavam diretamente para o
que estava sendo vivido no aqui e agora. Que atingir a percepção iluminada da
realidade pode-se dar além das palavras e recitação de sutras. Gugu-dada. Uma
fala sem fala.
“Sentar e esquecer de tudo” – a
expressão ecoa na meditação budista desde o lendário Bodidarma, até o “apenas
sentar – shikantaza, de mestre Dogen.
Só, permaneceu em zazen durante
nove anos. Mestre Dogen disse “Até mesmo o zazen de uma única pessoa num
momento concorda imperceptivelmente com todas as coisas e ressoa totalmente através
de todos os tempos. Assim no passado, no futuro e no presente do ilimitado
universo, este zazen leva adiante o ensinamento de Buda infindavelmente. Cada
momento de zazen é igualmente inteireza de prática, e igualmente inteireza de
percepção. Esta não é somente uma prática enquanto se está sentado, é como um
martelo golpeando o vazio: antes e depois, seu refinado rebate permeia todos os
lugares. Como pode ele limitar-se a este momento? Centenas de coisas manifestam
todas a prática original da Face Original; é impossível medi-las. Sabeis que, mesmo
se todos os Budas das dez direções, tão inumeráveis quanto as areias do Ganges,
exercessem a sua força e com toda a sabedoria dos budas tentassem medir o
mérito do zazen de uma única pessoa, não seriam capazes de compreendê-lo
totalmente.” (Escritos de Mestre Dogen)
Chega até nós, nos dias de hoje,
a vibração deixada pelo zazen de Bodhidarma, o martelo imprimiu sua marca nas
memórias do tempo.
Pouco se sabe sobre Bodhidarma.
Algumas fontes falam que ele teve muitos
discípulos, outras quatro. O mais
famoso, no entanto, é o 29º ancestral na linhagem – Taiso Eka, ou Huiko. Não
sabe-se ao certo se é lenda ou se realmente aconteceu, porém sabe-se que ele
não tinha um braço, na altura do cotovelo, mas diz-se que ele esperou por
muitos dias, na neve, para ser recebido por Bodhidarma. Como isto não
acontecia, ele cortou seu próprio braço, numa tentativa de atrair a atenção do
mestre, que deve ter pensado “esse aí está realmente aprender ...”, e o
recebeu. Registra-se o seguinte diálogo:
Eka: Mestre, por favor, me mostre a verdade. Por
favor, pacifique a minha mente.
Bodhidarma teria dito: Se sua
mente não está em paz e tranqüila, então me traga essa mente.
Eka respondeu: Não consigo.
Bodhidarma disse: É isso. Isso é
uma mente em paz.
Diz-se que Eka iluminou-se nesse
momento.
Os outros três transmitidos foram
Dofuku, Daiku e Soji. Em outras fontes consta que Soji era Nisoji, uma das
filhas do imperador Wu, que falhara em compreender a doutrina do vazio de
Bodhidarma, mas mandou sua própria filha para aprender a verdade.
Há poucos regisitros sobre
Bodidharma e seus ensinamentos, talvez pela própria postura desse grande
mestre, do não-apego a palavras e doutrinas.
Não se sabe ao certo o ano de sua
morte(em torno de 528 d.C). Está enterrado na China, na Montanha Orelha de
Urso.
Reza a lenda que um certo oficial
o encontrou caminhando de volta para Índia, levando consigo amarrada na ponta
do cajado, apenas uma sandália. Diz-se que a outra tinha ficado dentro do
caixão, mas sem um corpo – VAZIO!
Teishô elaborado por Monja Kokai,
para seu Darma Combate, em 04/07/2015.
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