sábado, 7 de outubro de 2017

DARUMA-KI Homenagem a Bodidarma.




Caso Principal:

Imperador Wu de Liang perguntou a Bodidarma:
Qual é o princípio dos ensinamentos sagrados?
Bodidarma disse, “Vazio, nada sagrado.”
“Quem está de pé a minha frente?”
“Não saber.”
O imperador não apreendeu seu significado.
Assim sendo Bodidarma cruzou o rio e foi para a terra de Wei.
O imperador mais tarde falou sobre isso com Shikô, que disse:
“O senhor sabe de fato quem é essa pessoa?”
O imperador disse: “ Não saber.”
Shikô falou:
“Este é o Bodisatva Kannon, que guarda o selo da mente Buda.”
O imperador sentiu profundo arrependimento e queria enviar alguém para Bodidarma, mas Shikô disse:
“Não adianta enviar um mensageiro para o trazer de volta. Mesmo que todas as pessoas fossem, ele não voltaria.”

TEISHÔ

Apesar de insegura e insuficiente em prática e sabedoria, fui nomeada Monja líder e devo honrar esta obrigação,  o qual recebo como uma oportunidade  para avaliar o meu grau de compressão do Darma de Buda. Como caso principal, tenho o compromisso de estudar a vida e ensinamentos do Grande Mestre Bodhidarma, 28º ancestral do Darma.
                Seu nome originalmente era Bodaitara, terceiro filho de um rei(Rajah) , no sul da Índia. Nasceu em torno de 440( algumas fontes citam final de século V) Seu pai admirava muito o 27º professor do Darma, Prajnara ou Hannyatara,  e era devoto do Budismo. Certa vez, Hannyatara foi convidado para ir ao palácio e quando lá, recebeu uma linda jóia, e a usou para testar os três filhos do rei, perguntando: “O que vocês acham dessa jóia?”  O primeiro príncipe respondeu – “Essa é a coisa mais inestimável do mundo.” O segundo disse: “É mesmo. Ela é tão magnífica que nem mesmo uma grande pessoa pode possuí-la.” Então era a vez de Bodaitara, que tinha apenas 08 anos. E você, o que acha? O menino permaneceu em  silêncio. Hannyatara chegou a comentar que talvez ele fosse muito pequeno para responder, no que o menino disse: “Essa é uma jóia mundana e por isto não pode ser classificada como a melhor. Eu considero o Darma como o melhor tesouro.” Hannyatara ficou impressionado com a compreensão do menino,  pois o que ele queria dizer era que o brilho da jóia era mundano comparado com o brilho da sabedoria. O menino continuou: “ Eu considero a luz da sabedoria como a melhor luz. A luz brilhante desta jóia não pode iluminar a si mesma, mas precisa da luz da sabedoria para ser percebida.”  Hannyatara compreendeu que estava diante de um sábio e que este viria a ser o seu sucessor no Darma, mas que causas e condições ainda não eram propícias para que o menino o acompanhasse. naquele momento. Apesar disso, foi nesse encontro que aconteceu o diálogo de mente a mente – Ishin den shin –
Mestre Hannyatara pergunta: O que, dentre todas as coisas é sem forma?
Bodaitara: Não surgir é sem forma.
Mestre: O que dentre todas as coisas é a mais exaltada?
Bodaitara: O sentido de eu e outros é o mais exaltado.
Mestre: O que dentre todas as coisas é suprema?
Bodaitara: A verdadeira natureza de todas as coisas é suprema.
Foi neste diálogo que aconteceu a transmissão de mente a mente, entre mestre e discípulo – ishin den shin, mas Hannyatara sabia que a hora ainda não havia chegado.

Algumas vivências importantes foram similares quando ainda muito jovens,  pelos que vieram a ser os mais importantes ancestrais do Darma. Tanto Shakayamuni Buda,  Bodidarma e Dogen provêem de famílias nobres e ricas. Ainda com seu nome mundano,  Sidarta, ao sair do castelo, foi impactado pela dor e sofrimento existentes naquela época – a verdade sobre o sofrimento da doença, velhice e morte. Para mim aí iniciou o grande despertar daquele veio a ser o  Buda Histórico. Ou melhor, acho que até antes, em sua infância. Uma criança, quando chega na idade de dominar relativamente bem a linguagem, lá pelos 7-8 anos, consegue expressar uma sabedoria impressionante, pois ainda não está totalmente atravessada pela cultura dominante e institucionalizada. Eu, como terapeuta infantil, já tive a grande sorte de presenciar tais situações, que são muito emocionantes. Dogen, com a morte dos pais, o  pai aos 4 e a mãe aos 8 anos, questiona a obtenção do nirvana somente após a morte e por quê não aqui e agora, ainda em vida? Bodidarma também, quando morre seu pai , provavelmente ainda um adolescente, entra em samadhi(concentração profunda) diante de seu caixão. Em comum, o sofrimento, esse choque de realidade que a morte de pessoas amadas e necessárias impõe. E todos os grandes mestres se dedicaram às questões relativas à vida/morte - sua compreensão e significado. Bodidarma, no Sermão do Despertar diz “Cada sofrimento é uma semente de Buda, devido ao sofrimento impelir os mortais a buscar sabedoria. Mas você só pode dizer que o sofrimento gera buditude. Você não pode dizer que sofrimento é buditude. Seu corpo e mente são o solo. O sofrimento é a semente. A sabedoria é o broto e a buditude é o fruto.” Mestre Dogen disse que clarificar completamente o significado de vida-morte é o assunto mais importante para todos que trilham o caminho iluminado. Essa questão que nos convoca a aprofundar na compreensão é complexa pois contempla as marcas indeléveis do Darma de Buda, a impermanência, o não-Eu e o Nirvana- onde habita o Vazio, que tanto Bodhidarma apontava. O vazio de uma existência fixa e permanente, o vazio do desejo de agarrar-se , apegar-se ou pegar algo, o vazio do Eu – que não há nada que tenha existência própria, fixa, permanente e incondicionada. Ou seja, eu sou na medida que tu és, tu sé na medida que nós somos, nós somos na medida que há um cosmos que nos promove e acolhe – infinita mente.
Após o funeral do pai,  Bodaitara foi encontrar Hanyatara e pediu para deixar sua casa, se tornando monge. Hanayatara sabia que o tempo havia chegado e fez com que Bodaitara recebesse os preceitos completos. Em seguida, Bodaitara sentou-se em meditação por mais sete dias no quarto do venerável, recebendo ensinamentos sobre o zazen. Hannyatara disse: “Você agora atingiu tudo aquilo que existe para saber sobre todos os darmas. Darma  siginifica “Amplitude de compreensão”, então você deve passar a chamar-se “Darma”. Ficou então Bodhidarma, Bodaidaruma.
Permaneceu junto ao seu mestre durante mais de quarenta anos. Realizou o Darma com muita profundidade na Índia, e depois de 61 da morte de Hannayara,  Bodhidarma deveria levar o Budismo para a China, pois as condições estavam propícias. Bodhidarma já estava com mais de 60 anos quando atravessou o oceano , numa viagem que levou 3 anos para chegar à China. Chegando lá, seguiu as profecias de Hannyatara, para não permanecer no sul, pois lá as pessoas apenas valorizavam ações condicionadas para acumular méritos, e não conseguiam compreender  o verdadeiro princípio dos ensinamentos do Buda. Mais tarde ficou sendo conhecido como “Escola do Norte”. (A Espiritualidade Budista, Vol. II p. 8) Foi nessa época, quando a China era dividida em Sulista e Nortistas, que o Budismo Indiano chegou à China. Os nortistas tinham mente militarista, enfatizando meditação e mágica e os sulistas, mais intelectualistas, preferindo as discussões filosóficas. Bodhidarma além de trazer o Zen para China, introduz a meditação  que leva a sabedoria e compaixão – a espada que corta as ilusões dando e tirando vida – herdada de Hannyatara.
Confirma essa profecia o encontro que ocorreu entre Bodidarma e o imperador Wu, que sabendo da chegando desse importante professor, queria ter com ele .
De acordo com A Transmissão da Lâmpada de Tao-Yuan, obra de 1002, Bodhidarma chegou a sul em 520 . Durante esse encontro aconteceu o seguinte diálogo entre o imperador Wu e Bodhidarma:

- Que méritos tenho por ter  construído mosteiros, traduzir escrituras budistas, auxiliar monges?
- Mèrito nenhum, diz Bodhidarma.
- Qual o mais alto significado das verdades sagradas?
- Vazio – Nada Sagrado.
- Quem é este que esta de face para mim?
- Não sei.

O imperador, que era destacado por ter um entendimento escolástico do Budismo, identificado com a cultura sulista, intelectualizada, provavelmente racionalizando mais os ensinamentos e talvez se “perdendo” nas discussões filosóficas, era conhecido como  o “Imperador da Mente Buda”. Ele  não compreendeu a doutrina do vazio de Bodhidarma , apresentada a ele pelo ilustre convidado.  Talvez   Bodhidarma queria promover a reflexão de que se não se deve esperar méritos como recompensa de uma boa ação, pois esta não é uma ação virtuosa de verdade. Mesmo assim, o imperador faz outra pergunta, talvez seguindo uma lógica secular; se não há méritos em construir mosteiros e  ajudar os monges, o que é sagrado então?  Novamente a resposta vem com a doutrina do vazio: Vazio,  nada sagrado! 
Naquele momento Bodidharma confimou que deveria seguir para o norte, como havia orientado Hannyatara. Atravessa o rio Yangtse, que separava o reino do sul – Liang, do reino do norte -  Wei.  Chega ao Mosteiro de Shaolin mas fica numa caverna nas proximidades do templo, fazendo Zazen – de face para uma parede, durante os nove próximos anos.  As pessoas estranhavam e passaram a conhecê-lo como o “Brâmane que olha para a parede”, não demonstrando nenhum interesse em falar sobre o Darma ou desejar ensinar discípulos, apesar da popularidade do Budismo do budismo na China.
Penso que esse “Silêncio” de nove anos represente a quebra do paradigama entre o Budismo vivido até então na índia, com sua antiga ideologia de libertação do ciclo de nascimento e morte e a grande amplitude da cosmologia indiana, diferente da cultura  positivista  da China. É nesse contexto que  Bodhidarma introduz o Zen , silenciosamente,  na China, privilegiando a prática da meditação.  Talvez esta seja a maior importância de Bodhidarma que leva para a China o “...ensinamento de que o nirvana nada mais é que samsara percebido em seu vazio.” (A esp.Budista-Vol II, introdução.) Retoma os ensinamentos fundantes do próprio  Shakyamuni Buda , ensinamento silencioso,  quando o próprio  estende uma flor e Makakasho compreende o ato de Buda de girar a flor em seus dedos ...e quando entra a palavra, esta já não está sob a influência do Bramanismo da Índia , mas apontavam diretamente para o que estava sendo vivido no aqui e agora. Que atingir a percepção iluminada da realidade pode-se dar além das palavras e recitação de sutras. Gugu-dada. Uma fala sem fala.
“Sentar e esquecer de tudo” – a expressão ecoa na meditação budista desde o lendário Bodidarma, até o “apenas sentar – shikantaza, de mestre Dogen.
Só, permaneceu em zazen durante nove anos. Mestre Dogen disse “Até mesmo o zazen de uma única pessoa num momento concorda imperceptivelmente com todas as coisas e ressoa totalmente através de todos os tempos. Assim no passado, no futuro e no presente do ilimitado universo, este zazen leva adiante o ensinamento de Buda infindavelmente. Cada momento de zazen é igualmente inteireza de prática, e igualmente inteireza de percepção. Esta não é somente uma prática enquanto se está sentado, é como um martelo golpeando o vazio: antes e depois, seu refinado rebate permeia todos os lugares. Como pode ele limitar-se a este momento? Centenas de coisas manifestam todas a prática original da Face Original; é impossível medi-las. Sabeis que, mesmo se todos os Budas das dez direções, tão inumeráveis quanto as areias do Ganges, exercessem a sua força e com toda a sabedoria dos budas tentassem medir o mérito do zazen de uma única pessoa, não seriam capazes de compreendê-lo totalmente.” (Escritos de Mestre Dogen)
Chega até nós, nos dias de hoje, a vibração deixada pelo zazen de Bodhidarma, o martelo imprimiu sua marca nas memórias do tempo.
Pouco se sabe sobre Bodhidarma. Algumas fontes falam que ele teve muitos  discípulos, outras  quatro. O mais famoso, no entanto, é o 29º ancestral na linhagem – Taiso Eka, ou Huiko. Não sabe-se ao certo se é lenda ou se realmente aconteceu, porém sabe-se que ele não tinha um braço, na altura do cotovelo, mas diz-se que ele esperou por muitos dias, na neve, para ser recebido por Bodhidarma. Como isto não acontecia, ele cortou seu próprio braço, numa tentativa de atrair a atenção do mestre, que deve ter pensado “esse aí está realmente aprender ...”, e o recebeu. Registra-se o seguinte diálogo:
Eka:  Mestre, por favor, me mostre a verdade. Por favor, pacifique a minha mente.
Bodhidarma teria dito: Se sua mente não está em paz e tranqüila, então me traga essa mente.
Eka respondeu: Não consigo.
Bodhidarma disse: É isso. Isso é uma mente em paz.
Diz-se que Eka iluminou-se nesse momento.
Os outros três transmitidos foram Dofuku, Daiku e Soji. Em outras fontes consta que Soji era Nisoji, uma das filhas do imperador Wu, que falhara em compreender a doutrina do vazio de Bodhidarma, mas mandou sua própria filha para aprender a verdade.
Há poucos regisitros sobre Bodidharma e seus ensinamentos, talvez pela própria postura desse grande mestre, do não-apego a palavras e doutrinas.
Não se sabe ao certo o ano de sua morte(em torno de 528 d.C). Está enterrado na China, na Montanha Orelha de Urso.
Reza a lenda que um certo oficial o encontrou caminhando de volta para Índia, levando consigo amarrada na ponta do cajado, apenas uma sandália. Diz-se que a outra tinha ficado dentro do caixão, mas sem um corpo – VAZIO!



Teishô elaborado por Monja Kokai, para seu Darma Combate, em 04/07/2015.

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